Bora Vergastar!

" Mais plausível seriam facadas no coração diárias, ou pra quê metáforas? 
Olho na janela e vejo uma manifestação na rua. Eu que causei? E se eu não ousasse olhar na janela naquele momento, haveria, para mim, a manifestação?
Sento na poltrona e olho o jornal, mas não o abro, apenas olho. Não quero ler, tenho medo de ter a mesma reação de quando olhei pela janela, portanto não abro.
Vou até a lareira e há uma brasa! Sopro até voltar a ter um fogo. Corro até o jornal e aremesso, sem perdão, no fogo. Ver o papel se retorcendo e escurecendo foi uma espécie de alívio para mim. 
Sem hesitar, corro até a janela (a manifestação ainda continua) e arranco as cortinas de seda, jogo na lareira.
Queima, queima, queima. Todos meus livros preferidos, revistas, jornais, meu diploma e o catálogo daquela peça de teatro que estréia em breve, todos queimam, afina são papéis de qualquer modo.
Sobrou eu, minha poltrona e o calor do fogo. Ele vai se acalmando, eu também. A manifestação se acalma também. 
Durmo na poltrona mesmo e acordo com o jornal do dia chegando. Suor se escorreu na minha testa: agora era a hora de saber o porque da manifestação. Abri. Era um circo, que estava na cidade naquele mês, o circo era alvo de acusações, um grande texto que falava nada.
Só falava uma coisa que não saia da minha cabeça, seu nome: 'Circo do Nero'. Nero era o dono deste, e quando o público saiu para queimá-lo, seu dono apenas batia palmas"